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Capitu traiu ou não traiu? Eis a questão...

Traiu ou não traiu?

Nenhum "possível adultério" foi mais comentado no Brasil do que aquele contado no romance Dom Casmurro. Machado de Assis deixou ali uma dúvida que sobreviverá eternamente, pulando de uma mente para outra.

Repetiremos a insistente, vulgar, banal e inútil  pergunta mais uma vez:


Capitu traiu ou não traiu o Bentinho?

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Dom Casmurro - Dois trechos - Machado de Assis


Machado de Assis

Selecionei dois trechos geniais de Dom Casmurro, do mestre Machado de Assis. A narrativa profunda e psicológica de Bento Santiago (Bentinho) foi escrita em 1899 e lançada como livro em 1900. Dom Casmurro conta ainda com a enigmática Capitu, uma das mais importantes personagens da Literatura Brasileira. O livro faz parte da fase mais elogiada do escritor, composta principalmente pela chamada "trilogia realista" (Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e Quincas Borba)

Machado de Assis é aqui no Leia na Tela.


CONVIVAS DE BOA MEMÓRIA - CAPÍTULO LIX
Não, não, a minha memória não é boa. Ao contrário, é comparável a alguém que tivesse vivido por hospedarias, sem guardar delas nem caras nem nomes, e somente raras circunstancias. A quem passe a vida na mesma casa de família, com os seus eternos móveis e costumes, pessoas e afeições, é que se lhe grava tudo pela continuidade e repetição. Como eu invejo os que não esqueceram a cor das primeiras calças que vestiram! Eu não atino com a das que enfiei ontem Juro só que não eram amarelas porque execro essa cor; mas isso mesmo pode ser olvido e confusão.

E antes seja olvido que confusão; explico-me. Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos. Eu, quando leio algum desta outra casta, não me aflijo nunca. O que faço, em chegando ao fim, é cerrar os olhos e evocar todas as cousas que não achei nele. Quantas idéias finas me acodem então! Que de reflexões profundas! Os rios, as montanhas, as igrejas que não vi nas folhas lidas, todos me aparecem agora com as suas águas, as suas árvores, os seus altares, e os generais sacam das espadas que tinham ficado na bainha, e os clarins soltam as notas que dormiam no metal, e tudo marcha com uma alma imprevista que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas.

NÃO HOUVE LEPRA -  CAPÍTULO CXLVI 
Não houve lepra, mas há febres por todas essas terras humanas, sejam velhas ou novas. Onze meses depois, Ezequiel morreu de uma febre tifóide, e foi enterrado nas imediações de Jerusalém, onde os dous amigos da universidade lhe levantaram um túmulo com esta inscrição, tirada do profeta Ezequiel, em grego: "Tu eras perfeito nos teus caminhos." Mandaram-me ambos os textos, grego e latino, o desenho da sepultura, a conta das despesas e o resto do dinheiro que ele levava; pagaria o triplo para não tornar a vê-lo.
Como quisesse verificar o texto, consultei a minha Vulgata, achei que era exato, mas tinha ainda um complemento: "Tu eras perfeito nos teus caminhos, desde o dia da tua criação." Parei e perguntei calado: "Quando seria o dia da criação de Ezequiel?" Ninguém me respondeu. Eis aí mais um mistério para ajuntar aos tantos deste mundo. Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro.

Círculo Vicioso - Machado de Assis

Mestre Machado de Assis em foto clássica

Um poema de Machado de Assis.


" Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
- Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
que arde no eterno azul, como uma eterna vela !
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

- Pudesse eu copiar o transparente lume,
que, da grega coluna á gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela !
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

- Misera ! tivesse eu aquela enorme, aquela
claridade imortal, que toda a luz resume !
Mas o sol, inclinando a rutila capela:

- Pesa-me esta brilhante aureola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume? "




Para Helena - Edgar Allan Poe


Edgar Allan Poe (1809-1849)

O americano Edgar Allan Poe é um dos meus escritores favoritos. Seus contos foram decisivos na minha vida. Apenas Machado de Assis, Julio Verne e George Orwell receberam tanta dedicação durante a minha juventude que o autor de O Corvo, Os assassinatos na Rua Morgue, Ligeia, Berenice, O retrato ovalado , O barril de amontillado e muitos outros. Não sou qualificado para analisar poesia e nem sou um grande leitor do gênero, mas em alguns poemas do Poe as palavras me parecem tão adequadas que a própria estrutura do poema desaparece durante a leitura, deixando apenas o "clima" a influenciar o leitor profundamente. 

Edgar Allan Poe constrói um universo tão marcante ao redor dos seus personagens estranhos -- muitas vezes nem pessoas são -- , que sua poesia sensibiliza até um analfabeto como eu.

Para Helena - Edgar Allan Poe

        Vi-te uma vez, só uma, há vários anos,
        já não sei dizer QUANTOS, mas NÃO MUITOS.
        Era em junho; passava a meia-noite
        e a lua, em ascensão, como tua alma,
        nos céus abria um rápido caminho.
        O luar caía, um véu de seda e prata,
        calma, tépida, embaladoramente,
        em cheio, sobre as faces de mil rosas,
        que floreciam num jardim de fadas,
        onde até o vento andava de mansinho.
        Caía o luar nas faces dessas rosas,
        que morriam, sorrindo, no jardim
        pela tua presença enfeitiçado.

        Toda de branco, vi-te reclinada
        sobre violetas; e o luar caía
        sobre as faces das rosas, sobre a tua,
        voltada para os céus, ai! de tristeza!

        Não foi o Destino, nessa meia-noite,
        não foi o Destino (que é também Tristeza)
        que me levou a esse jardim, detendo-me
        com o incenso das rosas que dormiam?
        Nenhum rumor. O mundo silenciava.
        Só tu e eu (meu Deus! Como palpita
        o coração, juntando estas palavras!) ...
        Só tu e eu... Parei... Olhei...
        E logo todas as coisas se desvaneceram.
        (Lembra-te: era um jardim enfeitiçado.)

        Fugiu a luz de pérola da lua.
        Os canteiros, os meandros sinuosos,
        flores felizes, árvores aflitas,
        tudo se foi; o próprio odor das rosas
        morreu nos braços do ar que as adorava.

        Tudo expirara... Tu ficaste... Menos
        que tu: a luz divina nos teus olhos,
        a alma nos olhos para os céus voltados.
        Só isso eu vi durante horas inteiras,
        até que a lua fosse declinando.
        Ah! que histórias de amor se não gravavam
        nas celestes esferas cristalinas!
        que mágoas! Que sublimes esperanças!
        que mar de orgulho, calmo e silencioso!
        e que insondável aptidão de amar!

        Mas, afinal, Diana se sepulta
        num túmulo de nuvens tormentosas.
        Tu, como um elfo, entre árvores funéreas,
        deslizas, Só TEUS OLHOS PERMANECEM.
        NÃO QUISERAM fugir e não fugiram
        Iluminando a estrada solitária
        de meu regresso, não me abandonaram
        como fizeram minhas esperanças.

        E ainda hoje me seguem, dia a dia.
        São meus servos – mas eu sou seu escravo.
        Seu dever é luzir em meu caminho;
        meu dever é SALVAR-ME por seu brilho,
        purificar-me em sua flama elétrica,
        santificar-me no seu fogo elíseo.
        Dão-me à alma Beleza (que é Esperança).
        Astros do céu, ante eles me prosterno
        nas noites de vigília silenciosa;
        e ainda os fito em pleno meio-dia,
        duas Estrelas-d'Alva, cintilantes,
        que sol algum jamais extinguirá.

"Para Helena" - Edgar Allan Poe. Boston, 19 de Janeiro de 1809 - Baltimore, 7 de Outubro de 1849.


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