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Da Alma - De anima - Aristoteles


Link para download "Da Alma"- Aristóteles - Corrigido. Obrigado pelo aviso!

LEIA NA TELA: Não me parece necessário falar da importância de Aristóteles, no meu entendimento o mais filósofo de todos os filósofos. Da Alma, ou  Sobre a Alma (De anima) é um trabalho magnífico e inspirador sobre o princípio vital do homem e dos animais. Começa assim:

Partindo do princípio de que o saber é uma das coisas belas e estimáveis, e que alguns saberes são superiores a outros quer pelo seu rigor, quer por tratarem de objetos mais nobres e admiráveis, por estes dois motivos poderemos com boa razão colocar a investigação sobre a alma 2 entre os mais importantes.

Ora o conhecimento sobre a alma parece contribuir também largamente para o da verdade no seu todo, e em especial para o da natureza, pois a alma é, por assim dizer, o princípio dos animais. Procuraremos, pois, ter em vista e conhecer a sua natureza e a sua essência, e ainda aquilo que a acompanha. Destas coisas, umas parecem ser afecções exclusivas da alma, e outras pertencer, por meio dela, também aos animais.
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Novo Testamento - King James - Edição de Estudo

Novo Testamento King James - Capa
Link corrigido. Bíblia King James em arquivo PDF - WinRar. Download 4Shared sem protetor de links.

Leia na Tela: Este foi a primeira postagem deste blog. Estava com o link quebrado, mas agora está funcionando. Aos poucos, todos os links estão sendo corrigidos. Peço paciência e ajuda na divulgação. Agradeço a lembrança do meu amigo Evandro.

O Novo Testamento é o mais importante conjunto de livros da História. Contém os mais importantes escritos e seu conteúdo é tão perfeito e tão complexo que o coloca acima da total compreensão humana.

Exatamente por isso foi escolhido para ser a primeira postagem deste blog. Esta maravilhosa edição de estudo em português, lançada no Brasil em 2007 e originalmente publicada em 1611, foi traduzida do original grego para o inglês, a pedido do Rei James I da Inglaterra. Uma obra de arte!
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Bíblia King James 1611
A primeira publicação desta edição inglesa causou um profundo impacto não apenas nas traduções inglesas posteriores, mas na literatura inglesa como um todo. As obras de vários autores famosos estão repletas de aparentes inspirações nesta tradução da Bíblia.
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BAIXAR NOVO TESTAMENTO - KING JAMES
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O Barril de Amontillado - Edgar Allan Poe

"The Cask of Amontillado" - Ilustração de Harry Clarke de 1919

O Barril de Amontillado, é um dos meus contos favoritos, não apenas de Edgar Allan Poe, mas entre todos os mestres deste gênero literário. O clima criado pelo autor é simplesmente impressionante!
O conto foi publicado em 1846, três anos antes da morte do escritor. Sua profunda influência na literatura de suspense, terror, horror é perceptível em filmes e muitos outros escritores.
Edgar Allan Poe
Nome de batismo Edgar Poe. Nascido em Boston, em 19 de Janeiro de 1809. Morto em Baltimore em 7 de Outubro de 1849.
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O Barril de Amontillado

(Edgar Allan Poe)
Suportei o melhor que pude as injúrias de Fortunato; mas, quando ousou insultar-me, jurei vingança. Vós, que tão bem conheceis a natureza de meu caráter, não havereis de supor, no entanto, que eu tenha proferido qualquer ameaça. No fim, eu seria vingado. Este era um ponto definitivamente assentado, mas a própria decisão com que eu assim decidira excluía qualquer idéia de perigo. Assim devia apenas castigar, mas castigar impunemente. Uma injúria permanece irreparada, quando o castigo alcança aquele que se vinga. Permanece, igualmente, sem reparado, quando o vingador deixa de fazer com que aquele que o ofendeu compreenda que e ele quem se vinga.
É preciso que se saiba que, nem por meio de palavras, nem de qualquer ato, dei a Fortunato motivo para que duvidasse de minha boa vontade. Continuei, como de costume, a sorrir em sua presença, e ele não percebia que o meu sorriso, agora, tinha como origem a idéia da sua imolação.
Esse tal Fortunato tinha um ponto fraco, embora, sob outros aspectos, fosse um homem digno de ser respeitado e, até mesmo, temido. Vangloriava-se sempre de ser entendido em vinhos. Poucos italianos possuem verdadeiro talento para isso. Na maioria das vezes, seu entusiasmo se adapta aquilo que a ocasião e a oportunidade exigem, tendo em vista enganar os milionários ingleses e austríacos. Em pintura e pedras preciosas, Fortunado, como todos os seus compatriotas, era um intrujão; mas, com respeito a vinhos antigos, era sincero. Sob este aspecto, não havia grande diferença entre nós – pois que eu também era hábil conhecedor de vinhos italianos, comprando-os sempre em grande quantidade, sempre que podia. Uma tarde, quase ao anoitecer, em plena loucura do carnaval, encontrei o meu amigo. Acolheu-me com excessiva cordialidade, pois que havia bebido muito. Usava um traje de truão, muito justo e listrado, tendo à cabeça um chapéu cônico, guarnecido de gizos.
Fiquei tão contente de encontrá-lo, que julguei que jamais estreitaria a sua mão como naquele momento.
- Meu caro Fortunato – disse-lhe eu -, foi uma sorte encontrá-lo. Mas, que bom aspecto tem você hoje! Recebi um barril como sendo de Amontillado, mas tenho minhas duvidas.
- Como? – disse ele. – Amontillado? Um barril? Impossível! E em pleno carnaval!
- Tenho minhas dúvidas – repeti – e seria tolo que o pagasse como sendo de Amontillado antes de consultá-lo sobre o assunto. Não conseguia encontrá-lo em parte alguma, e receava perder um bom negócio.
- Amontillado!
- Tenho minhas dúvidas.
- Amontillado!
- E preciso efetuar o pagamento.
- Amontillado!
- Mas, como você esta ocupado, irei à procura de Luchesi. Se existe alguém que conheça o assunto, esse alguém é ele. Ele me dirá …
- Luchesi é incapaz de distinguir entre um Amontillado e um Xerez.
- Não obstante, há alguns imbecis que acham que o paladar de Luchesi pode competir com o seu.
-Vamos, vamos embora.
- Para onde?
- Para as suas adegas.
- Não, meu amigo. Não quero abusar de sua bondade. Penso que você deve ter algum compromisso. Luchesi…
- Não tenho compromisso algum. Vamos.
- Não, meu amigo. Embora você não tenha compromisso algum, vejo que esta com muito frio. E as adegas são insuportavelmente úmidas. Estão recobertas de salitre.
- Apesar de tudo, vamos. Não importa o frio. Amontillado! Você foi enganado. Quanto a Luchesi, não sabe distinguir entre Xerez e Amontillado.
Assim falando, Fortunato tomou-me pelo braço. Pus uma máscara de seda negra e, envolvendo-me bem em meu roquelaire, deixei-me conduzir ao meu palazzo.
Não havia nenhum criado em casa, pois que todos haviam saído para celebrar o carnaval. Eu lhes dissera que não regressaria antes da manhã seguinte, e lhes dera ordens estritas para que não arredassem pé da casa. Essas ordens eram suficientes, eu bem o sabia, para assegurai o seu desaparecimento imediato, tão logo eu lhes voltasse as costas. Tomei duas velas de seus candelabros e, dando uma a Fortunato, conduzi-o, curvado, através de uma seqüência de compartimentos, à passagem abobadada que levava à adega.
Chegamos, por fim, aos últimos degraus e detivemo-nos sobre o solo úmido das catacumbas dos Montresor.
O andar de meu amigo era vacilante e os guizos de seu gorro retiniam a cada um de seus passos.
- E o barril? – perguntou.
- Está mais adiante – respondi. – Mas observe as brancas teias de aranha que brilham nas paredes dessas cavernas.
Voltou-se para mim e olhou-me com suas nubladas pupilas, que destilavam as lágrimas da embriaguez.
- Salitre? – perguntou, por fim.
- Salitre – respondi. – Há quanto tempo você tem essa tosse?
Meu pobre amigo pôs-se a tossir sem cessar e, durante muitos minutos, não lhe foi possível responder.
- Não é nada – disse afinal.
- Vamos – disse-lhe com decisão. – Vamos voltar. Sua saúde é preciosa. Você é rico, respeitado, admirado, amado; você é feliz, como eu também o era. Você é um homem cuja falta será sentida. Quanto a mim, não impor-ta. Vamos embora. Você ficará doente, e não quero arcar com essa responsabilidade. Além disso, posso procurar Luchesi . . .
- Basta – exclamou ele. – Esta tosse não tem importância; não me matará. Não morrerei por causa de uma simples tosse.
-É verdade, é verdade – respondi. – E eu, de fato, não tenho intenção alguma de alarmá-lo sem motivo. Mas você deve tomar precauções. Um gole deste Medoc nos defenderá da umidade.
E, dizendo isto, parti o gargalo de uma garrafa que se achava numa longa

fila de muitas outras iguais, sobre o chão úmido.
- Beba – disse, oferecendo-lhe o vinho.
Levou a garrafa aos lábios, olhando-me de soslaio. Fez uma pausa e saudou-me com familiaridade, enquanto seus guizos soavam.
- Bebo – disse ele – à saúde dos que repousam enterrados, em torno de nós.
- E eu para que você tenha vida longa. Tomou-me de novo o braço e prosseguimos. – Estas cavernas – disse-me – são extensas.
- Os Montresor – respondi – formavam uma família grande e numerosa.
- Esqueci qual o seu brasão.
- Um grande pé de ouro, em campo azul. O pé esmaga uma serpente ameaçadora, cujas presas se acham cravadas no salto.
- E a divisa?
- Nemo me impune lacessit.
- Muito bem! – exclamou.
O vinho brilhava em seus olhos e os guizos retiniam. Minha própria imaginação se animou, devido ao Medoc. Através de paredes de ossos empilhados, entremeados de barris e tonéis, penetramos nos recintos mais profundos das catacumbas. Detive-me de novo e, essa vez, me atrevi a segurar Fortunato pelo braço, acima do cotovelo.
- O salitre! – exclamei. – Veja como aumenta. Prende-se, como musgo, nas abóbadas. Estamos sob o leito do rio. As gotas de umidade filtram-se por entre os ossos. Vamos. Voltemos, antes que seja tarde demais. Sua tosse…
- Não é nada – respondeu ele. – Prossigamos. Mas, antes, tomemos outro gole do Medoc.
Parti o gargalo de uma garrafa de vinho De Grâve a dei-a a Fortunato. Ele a esvaziou de um trago. Seus olhos cintilaram com brilho ardente. Pôs-se a rir e atirou a garrafa para o ar, com gesticulação que não compreendi.
Olhei-o, surpreso. Repetiu o movimento, um movimento grotesco.
- Você não compreende? – perguntou.
- Não, não compreendo – respondi.
- Então é porque você não pertence à irmandade.
- Como?
- Não pertence à maçonaria.
- Sim, sim. Pertenço.
- Você? Impossível! Um maçom?
- Um maçom – respondi.
- Prove-o – disse ele.
- Eis aqui – respondi, tirando de debaixo das dobras de meu roquelaire uma colher de pedreiro.
- Você está gracejando! – exclamou recuando alguns passos. – Mas prossigamos: vamos ao Amontillado.
- Está bem – disse eu, guardando outra vez a ferramenta debaixo da capa e oferecendo-lhe o braço. Apoiou-se pesadamente em mim. Continuamos nosso caminho, em busca do Amontillado. Passamos através de uma série de baixas abóbadas, descemos, avançamos ainda, tornamos a descer e chegamos, afinal, a uma profunda cripta, cujo ar, rarefeito, fazia com que nossas velas bruxuleassem, ao invés de arder normalmente.
Na extremidade mais distante da cripta aparecia uma outra, menos espaçosa. Despojos humanos empilhavam-se ao longo de seus muros, até o alto das abóbadas, à maneira das grandes catacumbas de Paris. Três dos lados dessa cripta eram ainda adornados dessa maneira. Do quarto, os ossos haviam sido retirados e jaziam espalhados pelo chão, formando, num dos cantos, um monte de certa altura. Dentro da parede, que, com a remoção dos ossos, ficara exposta, via-se ainda outra cripta ou recinto interior, de uns quatro pés de profundidade, três de largura e seis ou sete de altura. Não parecia haver sido construída para qualquer uso determinado, mas constituir apenas um intervalo entre os dois enormes pilares que sustinham a cúpula das catacumbas, tendo por fundo uma das paredes circundantes de sólido granito.
Foi em vão que Fortunato, erguendo sua vela bruxuleante, procurou divisar a profundidade daquele recinto. A luz, fraca, não nos permitia ver o fundo.
- Continue – disse-lhe eu. – O Amontillado está aí dentro. Quanto a Luchesi. . .
- É um ignorante – interrompeu o meu amigo, enquanto avançava com passo vacilante, seguido imediatamente por mim.
Num momento, chegou ao fundo do nicho e, vendo o caminho interrompido pela rocha, deteve-se, estupidamente perplexo. Um momento após, eu já o havia acorrentado ao granito, pois que, em sua superfície, havia duas argolas de ferro, separadas uma da outra, horizontalmente, por um espaço de cerca de dois pés. De uma delas pendia uma corrente; da outra, um cadeado. Lançar a corrente em torno de sua cintura, para prendê-lo, foi coisa de segundos. Ele estava demasiado atônito para oferecer qualquer resistência.
Retirando a chave, recuei alguns passos.
- Passe a mão pela parede – disse-lhe eu. – Não poderá deixar de sentir o salitre. Está, com efeito, muito úmida. Permita-me, ainda uma vez, que lhe implore para voltar. Não? Então, positivamente, tenho de deixá-lo. Mas, primeiro, devo prestar-lhe todos os pequenos obséquios ao meu alcance.
- O Amontillado! – exclamou o meu amigo, que ainda não se refizera de seu assombro.
- É verdade – respondi -, o Amontillado.
E, dizendo essas palavras, pus-me a trabalhar entre a pilha de ossos a que já me referi. Jogando-os para o lado, deparei logo com uma certa quantidade de pedras de construção e argamassa. Com este material e com a ajuda de minha colher de pedreiro, comecei ativamente a tapar a entrada do nicho.
Mal assentara a primeira fileira de minha obra de pedreiro, quando descobri que a embriaguez de Fortunato havia, em grande parte, se dissipado. O primeiro indício que tive disso foi um lamentoso grito, vindo do fundo do nicho. Não era o grito de um homem embriagado. Depois, houve um longo e obstinado silêncio. Coloquei a segunda, a terceira e a quarta fileiras. Ouvi, então, as furiosas sacudidas da corrente. O ruído prolongou-se por alguns minutos, durante os quais, para deleitar-me com ele, interrompi o meu trabalho e sentei-me sobre os ossos. Quando, por fim, o ruído cessou, apanhei de novo a colher de pedreiro e acabei de colocar, sem interrupção, a quinta, a sexta e a sétima fileiras. A parede me chegava, agora, até a altura do peito. Fiz uma nova pausa e, segurando a vela por cima da obra que havia executado, dirigi a fraca luz sobre a figura que se achava no interior.
Uma sucessão de gritos altos e agudos irrompeu, de repente, da garganta do vulto acorrentado, e pareceu impelir-me violentamente para trás. Durante breve instante, hesitei… tremi. Saquei de minha espada e pus-me a desferir golpes no interior do nicho; mas um momento de reflexão bastou para tranqüilizar-me. Coloquei a mão sobre a parede maciça da catacumba e senti-me satisfeito. Tornei a aproximar-me da parede e respondi aos gritos daquele que clamava. Repeti-os, acompanhei-os e os venci em volume e em força. Fiz isso, e o que gritava acabou por silenciar.
Já era meia-noite, a minha tarefa chegava ao fim. Completara a oitava, a nona e a décima fileiras. Havia terminado quase toda a décima primeira – e restava apenas uma pedra a ser colocada e rebocada em seu lugar. Ergui-a com grande esforço, pois que pesava muito, e coloquei-a, em parte, na posição a que se destinava. Mas, então, saiu do nicho um riso abafado que me pôs os cabelos em pé. Seguiu-se-lhe uma voz triste, que tive dificuldade em reconhecer como sendo a do nobre Fortunato. A voz dizia:
- Ah! ah! ah! . . . eh! eh! eh! . . . Esta é uma boa piada… uma excelente piada! Vamos rir muito no palazzo por causa disso . . . ah! ah! ah! . . . por causa do nosso vinho… ah! ah! ah!
- O Amontillado! – disse eu.
- Ah! ah! ah! . . . sim, sim . . . o Amontillado. Mas não está ficando tarde? Não estarão nos esperando no palácio. . . a Sra. Fortunato e os outros? Vamos embora.
- Sim – respondi -, vamos embora.
- Pelo amor de Deus, Montresor!
- Sim – respondi -, pelo amor de Deus!
Mas esperei em vão qualquer resposta a estas palavras. Impacientei-me.
Gritei, alto:
- Fortunato!
Nenhuma resposta.
Tornei a gritar:
- Fortunato!
Ainda agora, nenhuma resposta. Introduzi uma vela pelo orifício que restava e deixei-a cair dentro do nicho. Chegou até mim, como resposta, apenas um tilintar de guizos. Senti o coração opresso, sem dúvida devido à umidade das catacumbas. Apressei-me para terminar o meu trabalho. Com esforço, coloquei em seu lugar a última pedra – e cobri-a com argamassa. De encontro à nova parede, tornei a erguer a antiga muralha de ossos. Durante meio século, mortal algum os perturbou.
O Barril de Amontillado, conto publicado em 1846.

Edgar Allan Poe
Nome de batismo Edgar Poe. Nascido em Boston, em 19 de Janeiro de 1809. Morto em Baltimore em 7 de Outubro de 1849.
Link para Download em PDF:

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Capitu traiu ou não traiu? Eis a questão...

Traiu ou não traiu?

Nenhum "possível adultério" foi mais comentado no Brasil do que aquele contado no romance Dom Casmurro. Machado de Assis deixou ali uma dúvida que sobreviverá eternamente, pulando de uma mente para outra.

Repetiremos a insistente, vulgar, banal e inútil  pergunta mais uma vez:


Capitu traiu ou não traiu o Bentinho?

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   Camiseta Enquete Capitu (traiu, não traiu ou não importa?)


Dom Casmurro - Dois trechos - Machado de Assis


Machado de Assis

Selecionei dois trechos geniais de Dom Casmurro, do mestre Machado de Assis. A narrativa profunda e psicológica de Bento Santiago (Bentinho) foi escrita em 1899 e lançada como livro em 1900. Dom Casmurro conta ainda com a enigmática Capitu, uma das mais importantes personagens da Literatura Brasileira. O livro faz parte da fase mais elogiada do escritor, composta principalmente pela chamada "trilogia realista" (Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e Quincas Borba)

Machado de Assis é aqui no Leia na Tela.


CONVIVAS DE BOA MEMÓRIA - CAPÍTULO LIX
Não, não, a minha memória não é boa. Ao contrário, é comparável a alguém que tivesse vivido por hospedarias, sem guardar delas nem caras nem nomes, e somente raras circunstancias. A quem passe a vida na mesma casa de família, com os seus eternos móveis e costumes, pessoas e afeições, é que se lhe grava tudo pela continuidade e repetição. Como eu invejo os que não esqueceram a cor das primeiras calças que vestiram! Eu não atino com a das que enfiei ontem Juro só que não eram amarelas porque execro essa cor; mas isso mesmo pode ser olvido e confusão.

E antes seja olvido que confusão; explico-me. Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos. Eu, quando leio algum desta outra casta, não me aflijo nunca. O que faço, em chegando ao fim, é cerrar os olhos e evocar todas as cousas que não achei nele. Quantas idéias finas me acodem então! Que de reflexões profundas! Os rios, as montanhas, as igrejas que não vi nas folhas lidas, todos me aparecem agora com as suas águas, as suas árvores, os seus altares, e os generais sacam das espadas que tinham ficado na bainha, e os clarins soltam as notas que dormiam no metal, e tudo marcha com uma alma imprevista que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas.

NÃO HOUVE LEPRA -  CAPÍTULO CXLVI 
Não houve lepra, mas há febres por todas essas terras humanas, sejam velhas ou novas. Onze meses depois, Ezequiel morreu de uma febre tifóide, e foi enterrado nas imediações de Jerusalém, onde os dous amigos da universidade lhe levantaram um túmulo com esta inscrição, tirada do profeta Ezequiel, em grego: "Tu eras perfeito nos teus caminhos." Mandaram-me ambos os textos, grego e latino, o desenho da sepultura, a conta das despesas e o resto do dinheiro que ele levava; pagaria o triplo para não tornar a vê-lo.
Como quisesse verificar o texto, consultei a minha Vulgata, achei que era exato, mas tinha ainda um complemento: "Tu eras perfeito nos teus caminhos, desde o dia da tua criação." Parei e perguntei calado: "Quando seria o dia da criação de Ezequiel?" Ninguém me respondeu. Eis aí mais um mistério para ajuntar aos tantos deste mundo. Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro.

Círculo Vicioso - Machado de Assis

Mestre Machado de Assis em foto clássica

Um poema de Machado de Assis.


" Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
- Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
que arde no eterno azul, como uma eterna vela !
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

- Pudesse eu copiar o transparente lume,
que, da grega coluna á gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela !
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

- Misera ! tivesse eu aquela enorme, aquela
claridade imortal, que toda a luz resume !
Mas o sol, inclinando a rutila capela:

- Pesa-me esta brilhante aureola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume? "




Para Helena - Edgar Allan Poe


Edgar Allan Poe (1809-1849)

O americano Edgar Allan Poe é um dos meus escritores favoritos. Seus contos foram decisivos na minha vida. Apenas Machado de Assis, Julio Verne e George Orwell receberam tanta dedicação durante a minha juventude que o autor de O Corvo, Os assassinatos na Rua Morgue, Ligeia, Berenice, O retrato ovalado , O barril de amontillado e muitos outros. Não sou qualificado para analisar poesia e nem sou um grande leitor do gênero, mas em alguns poemas do Poe as palavras me parecem tão adequadas que a própria estrutura do poema desaparece durante a leitura, deixando apenas o "clima" a influenciar o leitor profundamente. 

Edgar Allan Poe constrói um universo tão marcante ao redor dos seus personagens estranhos -- muitas vezes nem pessoas são -- , que sua poesia sensibiliza até um analfabeto como eu.

Para Helena - Edgar Allan Poe

        Vi-te uma vez, só uma, há vários anos,
        já não sei dizer QUANTOS, mas NÃO MUITOS.
        Era em junho; passava a meia-noite
        e a lua, em ascensão, como tua alma,
        nos céus abria um rápido caminho.
        O luar caía, um véu de seda e prata,
        calma, tépida, embaladoramente,
        em cheio, sobre as faces de mil rosas,
        que floreciam num jardim de fadas,
        onde até o vento andava de mansinho.
        Caía o luar nas faces dessas rosas,
        que morriam, sorrindo, no jardim
        pela tua presença enfeitiçado.

        Toda de branco, vi-te reclinada
        sobre violetas; e o luar caía
        sobre as faces das rosas, sobre a tua,
        voltada para os céus, ai! de tristeza!

        Não foi o Destino, nessa meia-noite,
        não foi o Destino (que é também Tristeza)
        que me levou a esse jardim, detendo-me
        com o incenso das rosas que dormiam?
        Nenhum rumor. O mundo silenciava.
        Só tu e eu (meu Deus! Como palpita
        o coração, juntando estas palavras!) ...
        Só tu e eu... Parei... Olhei...
        E logo todas as coisas se desvaneceram.
        (Lembra-te: era um jardim enfeitiçado.)

        Fugiu a luz de pérola da lua.
        Os canteiros, os meandros sinuosos,
        flores felizes, árvores aflitas,
        tudo se foi; o próprio odor das rosas
        morreu nos braços do ar que as adorava.

        Tudo expirara... Tu ficaste... Menos
        que tu: a luz divina nos teus olhos,
        a alma nos olhos para os céus voltados.
        Só isso eu vi durante horas inteiras,
        até que a lua fosse declinando.
        Ah! que histórias de amor se não gravavam
        nas celestes esferas cristalinas!
        que mágoas! Que sublimes esperanças!
        que mar de orgulho, calmo e silencioso!
        e que insondável aptidão de amar!

        Mas, afinal, Diana se sepulta
        num túmulo de nuvens tormentosas.
        Tu, como um elfo, entre árvores funéreas,
        deslizas, Só TEUS OLHOS PERMANECEM.
        NÃO QUISERAM fugir e não fugiram
        Iluminando a estrada solitária
        de meu regresso, não me abandonaram
        como fizeram minhas esperanças.

        E ainda hoje me seguem, dia a dia.
        São meus servos – mas eu sou seu escravo.
        Seu dever é luzir em meu caminho;
        meu dever é SALVAR-ME por seu brilho,
        purificar-me em sua flama elétrica,
        santificar-me no seu fogo elíseo.
        Dão-me à alma Beleza (que é Esperança).
        Astros do céu, ante eles me prosterno
        nas noites de vigília silenciosa;
        e ainda os fito em pleno meio-dia,
        duas Estrelas-d'Alva, cintilantes,
        que sol algum jamais extinguirá.

"Para Helena" - Edgar Allan Poe. Boston, 19 de Janeiro de 1809 - Baltimore, 7 de Outubro de 1849.


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Os Lusíadas - Luís de Camões


Postagem atualizada em 04/06/2012 e link corrigido: Uploaded


Leia na Tela: Os Lusíadas, de Luís de Camões. O orgulho que tenho por fazer parte da comunidade lusófona, em parte, se deve a este que está entre os grandes gênios da humanidade. Só hoje percebi que Os Lusíadas ainda não estava no acervo do Leia na Tela. Esta postagem pretende corrigir esse absurdo.

Camões lendo Os Lusíadas - Antonio Carneiro (1872–1930)


As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana

Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valorosos
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte
...

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Porquê me converti ao Catolicismo - G. K. Chesterton


Gilbert Keith Chesterton - [ 29/05/1874 — 14/06/1936]


Porquê me converti ao Catolicismo - Chesterton

Embora eu seja católico há apenas alguns anos, sei que o problema "por quê sou católico" é muito diferente do problema "por quê me converti ao catolicismo". Tantas coisas motivaram minha conversão e tantas outras continuam surgindo depois... Todas elas se colocam em evidência apenas quando a primeira nos dá o empurrão que conduz à conversão mesma.

Todas são também tão numerosas e tão diferentes umas das outras, que, no final das contas, o motivo originário e primordial pode chegar a parecer quase insignificante e secundário. A "confirmação" da fé, vale dizer, seu fortalecimento e afirmação, pode vir, tanto no sentido real como no sentido ritual, depois da conversão. O convertido não costuma recordar mais tarde de que modo aquelas razões se sucediam umas após as outras. Pois breve, muito breve, este sem número de motivos chega a se fundir em uma só e única razão.

Existe entre os homens uma curiosa espécie de agnósticos, ávidos esquadrinhadores da arte, que averiguam com sumo cuidado tudo o que em uma catedral é antigo e tudo o que nela é novo. Os católicos, ao contrário, outorgam mais importância ao fato de se a catedral foi construída para voltar a servir como o que é, quer dizer, como catedral.

Uma catedral! A ela se parece todo o edifício de minha fé; desta minha fé que é grande demais para uma descrição detalhada; e da que, com grande esforço, posso determinar as idades de suas diversas pedras.Apesar de tudo, estou seguro de que a primeira coisa que me atraiu ao catolicismo, era algo que, no fundo, deveria ter me afastado dele. Estou convencido de que vários católicos devem seus primeiros passos à Roma à amabilidade do defunto senhor Kensit.

O senhor Kensit, um pequeno livreiro da City, conhecido como protestante fanático, organizou em 1898 um bando que, sistematicamente, assaltava as igrejas ritualistas e perturbava seriamente os ofícios. O senhor Kensit morreu em 1902 por causa das feridas recebidas em um desses assaltos. Logo a opinião pública se voltou contra ele, classificando como "Kensitite Press" os piores panfletos anti-religiosos publicados na Inglaterra contra Roma, panfletos carentes de todo são juízo e de toda boa vontade.

Lembro especialmente agora estes dois casos: alguns autores sérios lançavam graves acusações contra o catolicismo, e, curiosamente, o que eles condenavam me pareceu algo precioso e desejável.

No primeiro caso —acredito que se tratava de Horton e Hocking— mencionavam com estremecido pavor, uma terrível blasfêmia sobre a Santíssima Virgem de um místico católico que escrevia: "Todas as criaturas devem tudo a Deus; ma a Ela, até mesmo Deus deve algum agradecimento". Isto me sobressaltou como um som de trombeta e me disse quase em voz alta: "Que maravilhosamente dito!" Parecia com se o inimaginável fato da Encarnação pudesse com dificuldade encontrar expressão melhor e mais clara que a sugerida por aquele místico, sempre que soubesse entendê-la.

No segundo caso, alguém do jornal "Daily News" (então eu mesmo ainda era alguém do "Daily News"), como exemplo típico do "formulismo morto" dos ofícios católicos, citou o seguinte: um bispo francês havia se dirigido a alguns soldados e operários cujo cansaço físico lhes tornava dura assistência na Missa, dizendo-lhes que Deus se contentaria apenas com sua presença, e que lhes perdoaria sem dúvida seu cansaço e sua distração. Então eu disse outra vez a mim mesmo: "Que sensata é essa gente! Se alguém corresse dez léguas por mim, eu estaria muito agradecido, também, que dormisse em seguida em minha presença".
Junto com estes dos exemplos, poderia citar ainda muitos outros procedentes daquela primeira época em que os incertos indícios de minha fé católica se nutriram quase com exclusividade publicações anti-católicas.

Tenho uma clara lembrança do que veio em seguida a estes indícios. É algo do qual me dou tanto mais conta quanto mais desejaria que não tivesse ocorrido. Comecei a marchar para o catolicismo muito antes de conhecer àquelas duas pessoas excelentíssimas a quem, a este respeito, devo e agradeço tanto: ao reverendo Padre John O'Connor de Bradford e ao senhor Hilaire Belloc; mas o fiz sob a influência de meu acostumado liberalismo político; o fiz até na toca do "Daily News".

Este primeiro empurrão, depois de dever-se a Deus, deve-se à história e à atitude do povo irlandês, apesar de que não haja em mim uma só gota de sangue irlandês.

Estive apenas duas vezes na Irlanda e não tenho nem interesses ali nem sei grande coisa do país. Mas isso não me impediu de reconhecer que a união existente entre os diferentes partidos da Irlanda deve-se no fundo a uma realidade religiosa, e que é por esta realidade que todo meu interesse se concentrava nesse aspecto da política liberal.

Fui descobrindo cada vez com maior nitidez, conhecendo pela história e por minhas próprias experiências, como, durante longo tempo se perseguiu por motivos inexplicáveis a um povo cristão, e continua odiando-lhe. Reconheci então que não podia ser de outra maneira, porque esses cristãos eram profundos e incômodos como aqueles que Nero jogou aos leões.

Creio que estas minhas revelações pessoais evidenciam com claridade a razão de meu catolicismo, razão que logo foi se fortificando. Poderia acrescentar agora como continuei reconhecendo depois, que a todos os grandes impérios, uma vez que se afastavam de Roma, passava-lhes exatamente o mesmo que a todos aqueles seres que desprezavam as leis ou a natureza: tinham um leve êxito momentâneo, mas logo experimentavam a sensação de estar enlaçados por um nó, em uma situação da qual eles mesmos não podiam se libertar. Na Prússia há tão pouca perspectiva para o prussianismo, como em Manchester para o individualismo manchesteriano.

Todo mundo sabe que a um velho povoado agrário, arraigado na fé e nas tradições de seus antepassados, espera-lhe um futuro maior ou pelo menos mais simples e mais direto ou pelo menos mais simples e mais direto que aos povos que não têm por base a tradição e a fé. Se este conceito se aplicasse a uma autobiografia, seria muito mais fácil escrevê-la do que se fosse esquadrinhar suas diversas evoluções, mas o sistema seria egoísta. Eu prefiro escolher outro método para explicar breve, mas completamente o conteúdo essencial de minha convicção: não é por falta de material que atuo assim, mas pela dificuldade e escolher o mais apropriado entre todo esse material numeroso. Entretanto tratarei de insinuar um ou dois pontos que me causaram uma especial impressão.

Há no mundo milhares de modos de misticismo capazes de enlouquecer o homem. Mas há uma só maneira entre todas de colocar o homem em um estado normal. É certo que a humanidade jamais pôde viver um longo tempo sem misticismo. Até os primeiros sons agudos da voz gelada de Voltaire encontraram eco em Cagliostro.

Agora a superstição e a credulidade voltaram a expandir-se com tanta vertiginosa rapidez, que dentro de pouco o católico e o agnóstico se encontrarão lado a lado. Os católicos serão os únicos que, com razão, poderão chamar-se racionalistas. O próprio culto idolátrico pelo mistério começou com a decadência da Roma pagã apesar dos "intermezzos" de um Lucrécio ou de um Lucano.

Não é natural ser materialista e tampouco sê-lo dá uma impressão de naturalidade. Tampouco é natural contentar-se unicamente com a natureza. O homem, pelo contrário, é místico. Nascido como místico, morre também como místico, principalmente se em vida foi um agnóstico. Enquanto que todas as sociedades humanas consideram a inclinação ao misticismo como algo extraordinário, tenho eu que objetar, entretanto, que uma só sociedade entre elas, o catolicismo, leva em conta as coisas cotidianas. Todas as outras as deixam de lado e as menosprezam.

Um célebre autor publicou mais uma vez uma novela sobre a contraposição que existe entre o convento e a família (The Cloister and the hearth). Naquele tempo, há 50 anos, era realmente possível na Inglaterra imaginar uma contradição entre essas duas coisas. Hoje em dia, a assim chamada contradição, chega a ser quase um estreito parentesco. Aqueles que em outro tempo exigiam a gritos a anulação dos conventos, destroem hoje sem dissimulação a família. Este é um dos tantos fatos que testemunham a seguinte verdade: que na religião católica, os votos e as profissões mais altas e "menos razoáveis" —por assim dizer— são, entretanto, os que protegem as melhores coisas da vida diária.

Muitos sinais místicos sacudiram o mundo. Mas uma só revolução mística o conservou: o santo está ao lado do superior, é o melhor amigo do bom. Toda outra aparente revelação se desvia por fim a uma ou outra filosofia indigna da humanidade; a simplificações destrutoras; ao pessimismo, ao otimismo, ao fatalismo, à nada e outra vez ao nada; ao "nonsense", à insensatez.

É certo que todas as religiões contêm algo bom. Mas o bom, a quinta essência do bom, a humildade, o amor e o fervoroso agradecimento "realmente existente" para com Deus, não se encontram entre elas. Por mais que as penetremos, por mais respeito que lhes demonstremos, com maior claridade ainda reconhecemos também isto: nos mais profundo delas há algo diferente do puramente bom; há às vezes dúvidas metafísicas sobre a matéria, às vezes havia nelas a voz forte da natureza; outras, e isto no melhor dos casos, existe um medo da Lei e do Senhor.

Se exageramos tudo isto, nasce nas religiões uma deformação que chega até o diabolismo. Só podem ser suportadas enquanto se mantiver razoáveis e medidas.

Enquanto estiverem tranqüilas, podem chegar a ser estimadas, como aconteceu com o protestantismo vitoriano. Pelo contrário, a mais alta exaltação pela Santíssima Virgem ou a mais estranha imitação de São Francisco de Assis, seguiriam sendo, em sua quinta-essência, uma coisa sadia e sólida. Ninguém negará por isso seu humanismo, nem desprezará a seu próximo. O que é bom, jamais poderá chegar a ser Bom DEMAIS. Esta é uma das características do catolicismo que me parece singular e ao mesmo tempo universal. Esta outra a segue:

Somente a Igreja Católica pode salvar o homem da destrutiva e humilhante escravidão de ser filho de seu tempo. Outro dia, Bernard Shaw expressou o nostálgico desejo de que todos os homens vivessem trezentos anos em civilizações mais felizes. Tal frase nos demonstra como os santarrões só desejavam —como eles mesmos dizem- reformas práticas e objetivas.

Agora bem: isto se diz com facilidade; mas estou absolutamente convencido do seguinte: se Bernard Shaw tivesse vivido durante os últimos trezentos anos, teria se convertido há muito tempo ao catolicismo. Teria compreendido que o mundo gira sempre com a mesma órbita e que pouco se pode confiar em seu assim chamado progresso. Teria visto também como a Igreja foi sacrificada por uma superstição bíblica, e a Bíblia por uma superstição darwinista. E um dos primeiros a combater estes feitos tivesse sido ele. Seja como for, Bernard Shaw desejava para cada um uma experiência de trezentos anos. E os católicos, muito ao contrário de todos os outros homens, têm uma experiência de dezenove séculos. Uma pessoa que se converte ao catolicismo, chega, pois, a ter de repente dois mil anos.

Isto significa, se o presenciamos ainda mais, que uma pessoa, ao se converter, cresce e se eleva ao pleno humanismo. Julga as coisas do modo como elas comovem a humanidade, e a todos os países e em todos os tempos; e não somente segundo as últimas notícias dos diários. Se um homem moderno diz que sua religião é o espiritualismo ou o socialismo, esse homem vive integramente no mundo mais moderno possível, quer dizer, no mundo dos partidos.

O socialismo é a reação contra o capitalismo, contra a insana acumulação de riquezas na própria nação. Sua política seria de todo diversa se fosse vivida em Esparta ou no Tibet. O espiritualismo não atrairia tampouco a atenção se não estivesse em contradição deslumbrante com o material estendido em todas as partes. Tampouco teria tanto poder se os valores sobrenaturais fossem mais reconhecidos.

Jamais a superstição tem revolucionado tanto o mundo como agora. Só depois que toda uma geração declarou dogmaticamente e de uma vez por todas, a IMPOSSIBILIDADE de que haja espíritos, a mesma geração deixou-se assustar por um pobre, pequeno espírito. Estas superstições são invenções de seu tempo —poderia se dizer em sua desculpa—. Já faz muito, entretanto, que a Igreja Católica tenha aprovado não ser ela uma invenção de seu tempo: é a obra de seu Criador, e continua sendo capaz de viver o mesmo em sua velhice como em sua primeira juventude: e seus inimigos, no mais profundo de suas almas, perderam já a esperança de vê-la morrer algum dia.

G. K. Chesterton

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Um médico de aldeia - Franz Kafka

Franz Kakfa (1883-1924)

Sentia-me extremamente perplexo. Tinha de deslocar-me urgentemente a uma aldeia a dez milhas de distância, onde me esperava um doente em estado grave. Uma densa tempestade de neve cobria todo o espaço livre que me separava dele. Possuía um cabriolé, um pequeno cabriolé de rodas altas, inteiramente adequado para as nossas estradas de província. Agasalhado de peles, com a mala dos instrumentos na mão, estava no pátio, pronto para a viagem. O que não tinha era cavalo, cavalo nenhum. O meu tinha morrido durante a noite, consumido pelas fadigas deste gélido inverno. A minha criada corria agora à aldeia para tentar arranjar um cavalo emprestado, mas eu sabia que era em vão e ali permanecia abandonado, com a neve a formar sobre mim uma camada progressivamente mais espessa, cada vez mais incapaz de mover-me.

A rapariga apareceu à entrada do portão, sozinha, e abanou a lanterna: é claro, quem estava disposto a emprestar um cavalo a uma hora destas para semelhante viagem? Percorri novamente o pátio para um lado e para outro. Não via solução. Na minha confusa aflição, dei um pontapé na porta dilapida do curral dos porcos, há longos anos deserto. A porta escancarou-se e ficou a abanar nos gonzos. Desprenderam-se do interior um vapor e um cheiro característicos da presença de cavalos. Lá dentro, uma débil lanterna de estábulo balouçava suspensa de uma corda. Naquele espaço exíguo, estava acocorado um homem de cara franca e olhos azuis. «Quer que eu aparelhe?», perguntou, arrastando-se a quatro.Sem saber o que dizer, limitei-me a debruçar-me lá para dentro, a fim de ver que mais havia no curral. A criada estava ao meu lado. «Nunca se sabe o que se pode descobrir na própria casa», comentou ela, e ambos nos rimos. «E, irmão! E, irmã!», chamou o moço. Dois cavalos, uns animais enormes de flancos poderosos, um atrás do outro, arrastando as patas junto ao corpo, com as esbeltas cabeças baixas como as dos camelos, comprimiram-se, à forca exclusiva das garupas, através do vão da porta, que enchiam completamente. Imediatamente, porém, se puseram de pé nas longas patas, com os corpos a deitarem um fumo espesso. «Ajuda-o», disse eu à rapariga, que de modo prestativo correu a auxiliar o moço a aparelhar os cavalos. Mal chegou ao pé dele, porém, o moço atraiu-a violentamente a si e colou a cara à dela. A rapariga soltou um grito e recuou precipitadamente para junto de mim. Impressas a vermelho, viam-lhe na face as marcas de duas fileiras de dentes. «Seu bruto!», exclamei. «Quer que o mande chicotear?». 

No mesmo instante, todavia, refleti que o homem era um estranho, vindo sabe-se lá donde, que estava a ajudar-me de livre vontade, quando todos os outros me tinham deixado entregue à minha sorte. Como se me adivinhasse os pensamentos, não se ofendeu ante a minha ameaça, continuando a ocupar-se dos cavalos, e só uma vez se virou para mim. «Suba», disse depois. Efetivamente, estava tudo pronto. Uma bela parelha de cavalos observei como nenhuma até à data me transportara. E subi, satisfeito. «Mas vou eu a conduzir; você não sabe o caminho», disse ao moço. «Com certeza», respondeu. «De qualquer maneira, eu não vou, fico aqui com a Rosa.» «Não», estremeceu a rapariga, precipitando-se para dentro de casa, com o justificado pressentimento de não poder escapar ao destino.

Ouvi o chocalhar da corrente da porta quando ela a colocou e, a seguir, o som da chave a rodar na fechadura. Verifiquei também que apagava as luzes do vestíbulo e depois as de todos os quartos por que ia passando, para que ele não pudesse descobri-la. «Você vem comigo», disse eu ao moço, «senão, não vou, por muito urgente que a minha viagem seja. Não faço tenção de pagar-lhe o favor atirando-lhe a rapariga para os braços.» «Arre!», gritou o moço, ao mesmo tempo que batia as palmas.

O cabriolé saltou para a frente como um tronco de madeira num turbilhão de água. Ouvi ainda a porta da minha casa a estilhaçar-se perante a arremetida do moço; depois, a tempestade não me deixou ver nem ouvir mais nada, abafando-me todos os sentidos. Mas isto não durou mais do que um momento, pois, como se a quinta do meu doente começasse mesmo à saída do portão do meu pátio, estava já a chegar. Os cavalos tinham-se imobilizado calmamente; o nevoeiro tinha parado e o luar brilhava em redor.

Os pais do meu doente correram para fora de casa, seguidos pela irmã. Fui quase literalmente erguido do cabriolé, não conseguindo perceber uma palavra das suas confusas exclamações. No quarto do doente, o ar era quase irrespirável, devido ao fumo da lareira esquecida. Quis abrir uma janela, mas primeiro tinha de ver o paciente. Magro, sem febre, nem frio nem quente e de olhar vago, com o tronco nu, o jovem ergueu-se na cama de penas, atirou-me os braços ao pescoço e sussurro-me ao ouvido: «Deixe-me morrer, Sr. Doutor.» Relanceei a vista pelo quarto: ninguém o ouvira. Os pais estavam inclinados para a frente, aguardando em silêncio o meu veredicto; a irmã tinha ido buscar uma cadeira para a minha mala dos instrumentos. Abri-a e remexi, à procura do que precisava.

O rapaz continuava a agarrar-me, para me recordar a sua súplica; peguei numa pinça, examinei-a sob a luz da lanterna e pousei-a de novo. «Pois é», pensei, de modo blasfemo, «em casos destes, os deuses ajudam imenso: mandam o cavalo que falta, juntam-lhe outro por causa da urgência e, ainda por cima, até fornecem palafreneiro...» E só nessa altura me lembrei outra vez de Rosa: que poderia eu fazer, como poderia salvá-la, como poderia libertá-la de sob aquele moço a dez milhas de distância, com uma parelha de cavalos que não conseguia controlar? Nesta altura os cavalos tinham conseguido folgar os arreios e abrir a janela pela parte de fora, não faço idéia como; um e outro tinham a cabeça enfiada pela janela e, nada perturbados pelos gritos da família, observavam o paciente. «O melhor é voltar já para casa», pensei, como se os cavalos estivessem a mandar-me retomar viagem. No entanto, deixei a irmã do doente, convencida de que eu estava aturdido com o calor, tirar-me o casaco de peles. Foram arranjar-me um copo de rum e o velho começou a dar-me palmadas nas costas, com uma familiaridade justificada por esta oferta do seu tesouro. Abanei a cabeça; para os estreitos limites da compreensão do velho, eu devia estar indisposto: só assim se justificava a recusa da bebida. A mãe estava junto ao leito do doente, persuadindo-me a assisti-lo. Cedi e, enquanto um dos cavalos relinchava fortemente ao céu, encostei a cabeça ao peito do rapaz, que estremeceu sob a minha barba molhada. Confirmei o que sabia já: o rapaz estava fino; tinha qualquer coisa anormal na circulação, saturada de café pela solícita mãe, mas estava fino e o melhor que havia a fazer era pô-lo da cama para fora. 

Não sou eu, porém, que vou reformar o mundo e, portanto, deixei-o mentir. Era o único médico do distrito e cumpria a minha função até ao máximo, quase até aos limites do possível. Apesar de mal pago, era generoso e ajudava os pobres. Ainda tinha de ir ver se Rosa estava bem, e o rapaz que levasse a sua avante, pois a mim também me apetecia morrer. Que fazia eu ali naquele interminável Inverno? O meu cavalo tinha morrido e ninguém na aldeia me emprestaria outro. Teria de tirar a minha parelha do curral dos porcos; se não tivesse calhado serem cavalos, teria de deslocar-me puxado por porcos. Era assim mesmo. E acenei afirmativamente com a cabeça para a família do doente. Eles nada sabiam do sucedido e, se soubessem, não acreditavam. 

Passar receitas é fácil, mas fazer as pessoas compreender as coisas é difícil. Bem, era a altura de terminar a minha visita. Mais uma vez tinha sido chamado sem necessidade, coisa a que já estava habituado, pois todo o distrito me fazia à vida num inferno com chamadas noturnas. Porém, sacrificar desta vez também Rosa, a linda rapariga que estava lá em casa há anos e em que eu mal reparava, era pedir de mais. Fosse como fosse, tinha de fazer todos os esforços por imaginar maneira de não me irritar com aquela família, que, por muito boa vontade que tivesse, não podia devolver-me Rosa. Todavia, ao fechar a mala e estender o braço para o casaco de peles, vi os familiares do doente todos juntos, de pé: o pai fungava, com o copo de rum na mão; a mãe, aparentemente desapontada comigo - porquê? Que esperarão as pessoas? -, a morder os lábios, com lágrimas nos olhos; quanto à irmã, agitava uma toalha encharcada de sangue. Perante tal cenário, fiquei um tanto inclinado a acreditar que o rapaz talvez estivesse mesmo doente. Ao dirigir-me para ele, acolheu-me com um sorriso, como se eu lhe levasse o mais alimentício dos caldos de dieta (ah, agora ambos os cavalos relinchavam em coro. Creio que o barulho era uma dádiva do Céu para me auxiliar no exame do doente); desta vez, verifiquei que estava realmente enfermo. Do lado direito, junto à anca, tinha uma ferida aberta do tamanho da palma da mão. Cor-de-rosa, de tonalidades várias, escura no interior e mais clara nos bordos, ligeiramente granulada, parecia uma mina a céu aberto exposta à luz do dia, vista à distância. Observada de mais perto, contudo, revelava outro distúrbio. Não consegui evitar um assobio de surpresa. Do estreito interior da ferida coleavam em direção à luz uns vermes da grossura e comprimento do meu dedo mínimo, igualmente cor-de-rosa e manchados de sangue, de cabeças pequeninas e muitas pernas minúsculas. Pobre rapaz, já ninguém podia fazer nada por ti. Descobrira já a tua grande ferida; esse botão de rosa no flanco estava a destruir-te. A família estava satisfeita, pois agora via-me ocupado. A irmã disse à mãe, a mãe ao pai, o pai a várias visitas que chegavam, atravessando o luar na porta aberta, caminhando nos bicos dos pés, mantendo o equilíbrio com os braços esticados. «Salve-me, sim?», sussurrou o rapaz com um soluço, que a vida da própria ferida quase abafou. A gente do meu distrito é assim. Esperam sempre impossíveis do médico. Abandonaram as antigas crenças: o padre vai para casa e livre-se das vestes, uma a uma; o médico, esse, consideram-no onipotente, com a sua misericordiosa mão de cirurgião. Bem, seja como quiserem. Não os obriguei a utilizarem os meus serviços; se me empregarem incorretamente para fins sagrados, deixarei que isso me aconteça também, como se não me bastasse ser um velho médico de aldeia, despojado da criada! E assim se aproximaram a família e os velhos da aldeia, e me tiraram as roupas. Um coro de crianças da escola, com o professor à frente, postou-se diante da casa e cantou estes versos, com uma música extremamente simples: Tirem-lhe a roupa, que ele já nos trata, Se não nos cura, aqui mesmo se mata! 

Só um médico, só um médico.

Depois fiquei despido e olhei calmamente para as pessoas, com os dedos na barba e a cabeça inclinada para um lado. Estava inteiramente senhor de mim e à altura da situação, e assim me mantive, apesar de não ter salvação, pois nessa altura pegaram-me pelos pés e pela cabeça e carregaram comigo até à cama. Pousaram-me nela, junto à parede, do lado da ferida. Depois saíram todos do quarto e fecharam a porta. 

Pararam de cantar.

A Lua ficou oculta por nuvens. Sentia o calor da cama à volta do corpo. As cabeças dos cavalos, nas janelas abertas, ondulavam como sombras. «Sabe», disse uma voz ao meu ouvido, «o senhor inspira-me muito pouca confiança. No fim de contas, o senhor foi atirado pelos ares para aqui, não veio pelo seu próprio pé. E, em vez de me dar assistência, vem roubar-me espaço no meu leito de morte. A minha vontade é arrancar-lhe os olhos.» «Tem razão», respondi, «não está certo. E, no entanto, eu sou médico. Que posso fazer? Acredite que a minha situação também não é fácil.» «Acha que eu me satisfaço com essa explicação? Ah, tenho de me satisfazer, não tenho outro remédio. Sou sempre obrigado a suportar tudo. 

A única coisa que eu trouxe ao mundo foi uma bela ferida; foi esse o meu único legado.» «Meu jovem amigo», respondi, «o seu erro é não ter uma visão suficientemente larga. Eu já estive em todos os quartos de doentes, por todo o lado, e digo-lhe uma coisa: a sua ferida não é assim tão grave. Feita numa esquina apertada com dois golpes de machado. Muita gente dá o flanco e mal consegue ouvir o machado na floresta, e muito menos que ele se aproxima.» «Isso é verdade ou está a aproveitar-se da minha febre para me enganar?» «É mesmo verdade, aceite a palavra de honra de um médico oficial.» E ele aceitou-a e sossegou. Mas agora eu tinha era de pensar em fugir dali. Os cavalos mantinham-se ainda fielmente no mesmo sítio. 

Recolhi rapidamente as roupas, o casaco de peles e a mala. Não queria perder muito tempo a vestir-me; se os cavalos corressem de volta a casa como tinham vindo, seria, por assim dizer, saltar daquela cama para a minha. Obediente, um dos cavalos recuou, afastando-se da janela; atirei com a trouxa das roupas para o cabriolé e o casaco de peles falhou o alvo, ficando preso apenas por uma manga num gancho. Já não era mau. Saltei para o cavalo. Com as rédeas soltas, a arrastarem pelo chão e os cavalos mal apertados um ao outro, o cabriolé ia atrás, a oscilar, rebocando o meu casaco de peles de rojo pela neve. «Arre», gritei; mas os cavalos não se lançaram a galope: lentamente, como um trio de velhos, arrastamo-nos pelos ermos cobertos de neve. Durante muito tempo, ficou a ecoar atrás de nós a nova canção das crianças, esta falsa:

Alegrai-vos, doentes de todo o lado, O médico está junto a vós, deitado!

Por este andar, nunca chegarei a casa. Posso dizer adeus à minha florescente clínica. O meu sucessor está a roubar-me, mas em vão, pois não pode tomar o meu lugar. Lá em casa, o moço repugnante há de estar furioso. E Rosa será a vítima. Não quero pensar mais nisso. Nu, exposto aos rigores da mais triste das estações do ano, com um veículo deste mundo e cavalos sobrenaturais, com a minha muita idade, vagueio perdido. O casaco de peles está pendurado na retaguarda do cabriolé, mas não consigo lá chegar e não há um só do meu rebanho de ágeis doentes que levante um dedo. Traído! Traído! Depois de ter acorrido a um falso alarme noturno, já não há remédio. 

Nunca mais.


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PS: Foi feita uma premiada animação baseada neste conto do Kafka. VEJA AQUI.
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